sexta-feira, 17 de maio de 2024

Incomensurable longing.

Ossington is now just another stop on my way to forgetting.

Yet I remember.

The door has closed and I can no longer see inside your life. 

Yet I still feel invited.

You sent me a postcard with a couple of words.

Yet all I wanted was a long, unending letter. 

It's a new city. A new girl. 

Yet, you.

I wonder about the size of your smile.

How much teeth can she see?

I allow myself to think you'll never smile like you did with me. 

I barely know you. 

Yet I know you so.

I see a movie that couldn't be more different from us. 

Yet the same. 

What a happy ending. I cry.

My heart is full of certainties and decisions.

Yet I question. Yet it hurts. 

I saw your mom the other day. 

Yet you weren't there. 

I dreamed of you.

Yet I woke up. 

I've convinced myself it is just a nightmare.

Yet I sleep 

With your clothes

In your bed

On your seat on the sofa's arm

In your city, within your life. 

Yet me. Yet mine. Yet to be lived. 

Yet to believe. 

Just send me a word or two. 

Yet don't say anything more. 

Leave me longing, leave me wishing. 

Leave. 

Yet don't, not just yet. 

quarta-feira, 15 de maio de 2024

Erros de português

 Eu sou feita de porquês. Desde pequena tinha uma curiosidade gigante em entender porque as coisas eram dessa forma ou daquela. Mas enquanto criança, dificilmente alguma resposta era verdadeira. Ouvia que era a maldade dos homens. Que era assim que o mundo girava. Que não deveria nem perguntar, porque aquilo não era assunto pra mim. Perguntei por que minha irmã foi embora. Ouvi que porque ela nos abandonou.  Porque era rebelde. Porque egoísta. Só aos vinte e tantos soube de fato porquê, e só ela pôde me dizer. Perguntei porquê a amiga gritava comigo. Por que as pessoas se maltratavam. Por que eu nasci com uma doença incurável. Cada mentira-silêncio-resposta, dor. Certa hora cansei de perguntar. Só agi, como quem duvidava. E passei a duvidar de tudo: deles, do mundo, mas principalmente de mim. Tentando me proteger da não-resposta, eu mesma parei de perguntar. Quando assim fiz, parece que o mundo perdeu o encanto. Foi quando me encontrei sem graça, desinteressante. Foi quando me desencontrei. Pra que perguntar, se a resposta seria mais uma mentira? Ainda assim, num empurrão que a vida dá, um porquê se deixou escapar: porque não tentar diferente? Voltei pra carteira da sala de aula. A pergunta do professor uma brecha, uma quebra naquele rígido sistema que eu mesma havia criado. De repente me perguntavam por que, e eu ousava responder. Falhava. Me corrigia. Ainda não sabia dizer tudo aquilo que precisava. Ainda não era hora de responder. Então segui. Cercada de pessoas cheias de certezas, perguntei enfim por que preciso ficar nessa cidade. Por que preciso seguir esse caminho que não me pertence? E sem resposta peguei meus porquês e fui. Parti. Partimos. Ele do meu lado. Ele que sempre responde os meus porquês com a mais pura verdade que tem no peito e na cabeça. Mas a vida é dessas que empurram a gente pra voar e de repente cortam nossa asa. Trancados em casa, isolados, fechados. Tantos, tantos porquês. Parei de perguntar. Não havia como perguntar porque tanta morte, por que não se comportam. A resposta era impossível. E vem a vida de novo. Mais uma vez um porquê escapou: por que não agora? E as portas se abriram de novo. Como duas crianças que descobrem o mundo ele e eu botamos a cara no sol. Eu, logo voltei aos meus inúmeros por ques. Ele, ainda incerto, teve medo de perguntar. Mas a hora não tarda. E agora juntos eu pergunto, por que eu tenho que me separar dele? Por que a gente tem que seguir uma cartilha que inventaram pra gente? Por que ele não pode me amar com todo o amor que eu tenho pra dar? Por que? Pois respondo. Não tenho que separar, porque eu o amo. Não temos que seguir cartilhas, porque não são nossas. Essas cartilhas nada mais são do que controle pra gente que tem medo de perguntar, e nós não precisamos disso. Ele pode me me amar, porque eu me amo. Se ele quiser, vou continuar perguntando junto. Vou perguntar pra mim. Vou perguntar pras outras. Pra ele. E não aceito nada menos do que a verdade da hora. Peço apenas que ele, também, pergunte por que. Pra mim, pra ele mesmo. Se ele não me quiser afinal com todos os porquês, a questão então se torna outra. Ainda assim vou perguntar: por que? 

sexta-feira, 3 de maio de 2024

Randall Toronto

I laughed. I laughed at jokes that weren't meant for tropical fish like me. I laughed at jokes that I always thought I would never understand. I do. I get them more than I ever did with Rio. I walk these streets with a smile. I finally get all the the weirdly named intersections. Neighborhoods that are more like little towns on their own. At Ossington I smile, thinking about a rainy day when I was in love. At Union I no longer feel lost, it's my stage. At Islington I feel my blood flowing as I wonder whether he'll be waiting for me. College, nostalgia. Harbourfront, a longing for what never happened. Then there's the entire line one northbound, which I have just discovered. I go all the way up just to go down on her. Beaches, know them all. Nothing more relaxing than a Sunday at Hanlan's listening to Sun is Shinning and the weather is sweet. I've been naked in this city. Free from clothes, free from worry, free from fear. Free. I've always said that the choice between safety and freedom is a dumb one. You're not really safe if you are not free. You're not really free if you're not safe. I guess I am both. Safe and free. My safety is an oise(aux) on line two. My freedom, line one. I get to change lines not through the dark and messy corridors of Spadina, but through the ups and downs of St. George. It's almost like a cleanup. That much (n)oise. Sometimes I notice new places. They bring new people. I always preferred the Queen but boy did I love meeting King. Not because of King's posh bars of course, but because of all the queens I found there. Oh, how it amazes me. I walk down from Dundas to Shaw and I understand that I'm alone, yet perfectly accompanied by the birds, by the trees, by the people I haven't yet met. I'm writing in this odd language just to say how much I love you, Randall. I love taking that huge ferry to your Island and admiring my starfish while she cries over a swan. I love walking High (at the) Park holding his hands thinking of getting some Rocky Road. I love when he drives me away from randall, just so we can feel a little bit lost. I love sharing a cigarette on Bloor after dancing to the sounds of the Queen B. I love kissing the prettiest girl near the trains, knowing we'll only be a couple of kms apart. Holding her hands on the street and thinking fuck, we're free. I know she doesn't believe me, but sometimes freedom is compromise. I love myself here, Randall. I love that I found community, that I found support, that I found português, that I found a shoe that finally fits. I love that I don't hate the people I see, and that they don't care about me either. I love not dressing up. I love not asking him to dress up. It took me two hours to get home today and I did not care. Stuck in traffic and I did not care. I don't know if it's Randall's effect, or if it's the stage, if it's all the pretty girls, if it's me. I don't care. What I do know is that the cold never bothered me. The distance makes everything seem small. The fears that once controlled me, can't get to me at all. Yes, I know I'm borrowing those phrases. Be patient, I'm bye-lingual. En fait, trilingue. Mais je ne peux pas parler français chez randall. Pas Montréal! Il faux que je me sens où je suis. And using this goddamned language makes me feel even more yours, randall. I know, I know, you're colonial. Dish with One Spoon is what we hope for but so far only rich white people are eating. Like the tropics, you too are no Shangri-la. Actually, you do have a Shangri-la that I might be able to afford someday. Take the pretty girl for a night there. Or maybe he'll take me. For now, I'm good with taking the terrible transit commission system to and from. A starfish taught me to appreciate even the smelliest of TTC's cars. To always carry a book. To buy new headphones. I told her I'd live you, Randall. I told her I'd fight to feel the way I felt at Ossington, at Kensington, at the Island. I've been feeling, everywhere. And for now, I don't care that many of randall's townsfolk don't think I belong. I can't hear them, my headphones are blasting Brasil. I do belong, fixed English and all. Deal with it. This tropical fish ain't going anywhere, Randall. Just like you, I might have a thing for the tower. And I too shall become one.

quarta-feira, 1 de maio de 2024

santíssima trindade

Meu coração é um sujeito muito inconstante e imprevisível. Quem o fez parece que quis me pregar uma peça. Hoje comi algo que fez meu coração disparar. Não é a primeira vez. O médico disse que era pressão, logo eu que tenho a pressão sempre baixa. Não acredito que seja. Deve ser só mais um desses mistérios sobre o meu corpo que nunca vou saber a resposta. Já ontem, ele serenou e fechei os olhos em cima do celular. É que ela me surpreendeu. Logo ela que me traz os 169 BPMs, ontem trouxe a calma que sinto quando sentadas no sofá entrelaçadas estudamos cada poro uma da outra. Quando nosso olhar se mantém sereno. Não que haja algo de surpreendente em ouvir músicas que nos conectam com o que há lá fora, mas por mim. Andei afastada das músicas que me arrancam tímidas lágrimas. Que fazem disparar e pacificar meu coração ao mesmo tempo - assim, que nem ela. Andei afastada de gritar a plenos pulmões que nunca estive sozinha. Afastada pois confusa. Andei falando de como rejeitei a salvação porque me disseram que ela não incluía os meus. E de repente eu também me incluo nesse grupo, enfim sem titubear, enfim sem "mas". Não pensei, de fato, que essa resposta do meu coração ainda estaria ali quando a música tocasse. Estava. E pude dizer a ela que não se preocupe em pensar demais, por que ela é presente. Pude dizer que ela é calma na tempestade ao mesmo tempo que me provoca raios e trovões. Ontem pude dizer pela primeira vez a minha própria santíssima trindade: ancestrais, água, Ele. E novamente surpresa, agora com minha própria capacidade de explicar, sem ter que me defender. Eu cresci vendo meus amores chorarem por não serem bem vindos. Me reprimi achando que eu precisava ser. Ainda assim, não coube. Mas a música, essa sempre coube. Essa sempre acolheu, sempre me chamou, sempre me amou. Talvez então minha santíssima trindade seja ancestrais, água e música. E os loucos são aqueles que me dizem que a salvação não é pra mim, pra gente como eu. Que se danem os loucos. Fico com ela, com a música, com o coração a mil e a zero, salva.

terça-feira, 30 de abril de 2024

pente

 Eu te falei que você era real demais pra isso aqui. Agora que você se foi e eu nem sei o que virá, você aparece por aqui. Sabe, é que você levou o nosso pente. Você levou pois eu disse que você precisaria mais que eu diminuir a estática e quebrar menos. Logo eu, sempre tão quebradiça. Consertei. Nem sei bem como é que vim parar aqui quando olho nossas fotos do verão de 22. Talvez o inverno tenha sido longo demais, e a primavera não chegou pra nós dois ao mesmo tempo. Você é coral, eu te disse. Onde vivo, minha casa, meu porto seguro. Seguro talvez não mais. E se deixou de ser, fui eu quem te afastou. Peço que me entenda. Não te afastei porque não te amo. Não te afastei por causa delas. Afastei porque precisei que você deixasse de ser tão real. Por que preciso viver o surreal. Surreal é o pente de plástico que tive que usar. Mal penteia. Quebra. Deixa elétrico. Não liguei. Ainda assim minha mãe me salvou e trouxe outro de madeira. Claro, não é a mesma coisa. Funciona, mas não é gostoso de passar, nem de segurar. É que você é assim, posso até achar parecido, mas nunca vão ser você. Você que tem um grip perfeito, que escorre os dedos nos meus cabelos, que não me quebra, não me machuca. Não digo que nunca machucou. Sua incapacidade de aceitar algumas flores que eu te dava me doía, sim. Sua incapacidade de me dar algumas flores que eu precisava me doía também, sim. Mas a primavera veio tão forte que entendi que as flores entre nós trocadas são belas, e que posso trocar flores com outras. Entendi que não devo querer que o buquê inteiro venha de você, ou seja pra você. Afinal, isso vai contra minha própria natureza, peixe mas também abelha. Nessa primavera quero gritar: odeio azeitonas! Quero te dar as minhas, mas quero também alguém que igualmente as odeie. Pra odiar junto. Já você, não quero odiar nada. Quero te levar pra uma cabine no mato, pra dançar a noite toda ao som das estrelas que aqui a gente quase não vê. Quero a sorte desse amor tranquilo. Quero pegar tua mão e sair por essas ruas, bêbados. Um remédio antimonotonia. Quero passar meus dedos entre os teus cachos e dizer pra que você os contenha, por que a noite vou ser tua. Quero que você me leve pra janela, mas que dessa vez chegue mais perto. Quero mais devagar, quero mais profundo, quero gritar. Quero te encontrar num domingo de manhã, 70s Mix e café com leite. Dividir o brunch. Tirar tua foto, sorrir pra você. Quero fazer planos. Planos com você pra gente descobrir o mundo. Mas também planos que você não esteja, e eu não me sinta novamente a vilã da nossa história. Não quero dizer não por qualquer outro motivo que não minha própria vontade de dizer não. Quero te proteger por mim, não por você. Quero que você voe, quero te ver voar. Você é grande demais pra caber na Torre que te puseram. Você é vivo demais pra viver dormindo. Você é belo demais, pra encurvar teus ombros. Você é bom demais pra ser bonzinho. Quando a gente se toca, quero deixar a estática rolar. Chega de desculpas, chega de cuidados, chega de medos. Você é fogo também, eu descobri. Quero que arda. Que me queime. Que na batida dos seus tambores elétricos me faça sussurrar no seu ouvido. Que no Jazz Standards você me enxergue de verdade. Que olhe pra mim na sua frente, não pra mim no espelho. Estou com saudade de ver você louco por mim. Estou com saudade de encharcar nossa noite sem nenhuma preocupação. Danem-se os lençois, o colchão. Quero desaguar na tua boca e te afogar. Me render e te render. Chega de interromper esses raioszinhos entre o nosso lençol e cobertor. Que venha você, surrealmente real e com toda a estática do mundo. Meu coral, nosso pente de madeira vai nos proteger.

domingo, 28 de abril de 2024

água

As vezes acho que planejaram em algum lugar desse universo pra que eu nascesse em março. Pra que eu nascesse com as águas que renascem todo ano. Seja chuva, seja neve, seja gelo, seja a mistura com a terra que faz uma bagunça danada. Essa primavera veio muito mais molhada do que todas as outras. Como se anunciando uma tsunami. Engraçado, disseram-me que esse ano eu chegava à idade de Cristo. Ele que andava transformando água em vinho, como se vinho fosse melhor que água. Ele que andava multiplicando os peixes, como se o mundo aguentasse as lágrimas de tanto peixe. Não que eu tenha qualquer coisa que remeta a Ele. Pelo contrário. Sou um festival de pecado e já rejeitei a salvação porque me disseram que ela não incluía os meus. Ainda assim, 33. E nessa primavera foi mesmo milagre que me fez viver. Viver como eu não vivia há década. Viver como quem vive pela primeira vez. É que os astros resolveram me banhar nessa primavera. De lágrima, de prazer, de suor. Me pego pensando se não é tudo apenas uma piada de mau gosto que meus antepassados resolveram contar. Eles que atravessaram mar, por escolha ou por força, agora rindo dessa que conversa com as águas. Me pego pensando se na próxima esquina eu tropeço e caio. Mas até agora, passos firmes. Uma firmeza tão estranha que me espanto. Acuso que foi ela ou ele que deram os passos. Não. Foi mesmo minha cabeça estranha, meu duplipensar, minha cara no palco. Seca. Fui eu, eu e todas as versões de mim que já vivi. Sabendo que todas essas decisões são duras como pedra, hoje a água veio dar força. Veio lembrar quem é que manda. Veio dizer que sem ela não há prazer, não há lágrima, não há esforço. Veio dizer que só ela apaga um fogo que queima e consome. Que só ela me transforma de verdade. Que é ela quem sabe do meu coração quando escorre nas minhas bochechas. Hoje não estive sozinha. Escutei o grito das águas mais fortes, escutei o chamado das águas mais profundas. Senti. E sentindo soube que não são memórias. É novo. As ondas vieram, me lavaram e levaram consigo tudo o que me afogava. Restou uma estrela do mar pra eu levar pra sempre. Restou grande parte do meu ecossistema, sem poluição. Restou o coral onde vivo, de quem me alimento e onde me encontro. Mas está em perigo. Não por fogo, fogo não arde dentro do mar. Nem mesmo por mim, peixinho que ali vive. Apenas por um desequilíbrio. Quero crer que o desequilibrado equilibrado estará quando a próxima lua cheia vier, e a maré encher. Quero crer que as águas vão continuar transparentes e que o coral vai sobreviver. Que a secura do meu rosto vai continuar apenas pra que o choro tenha sentido. Eu que já chorei por tantas bobagens. Água desperdiçada. Vida desperdiçada. Não mais. Aprendi a nadar. 

sábado, 27 de abril de 2024

inundação

Olho nos seus olhos. Você diz que nossos corpos se misturam, ficam indistinguiveis. Concordo. Num movimento que acompanha meu coração - tão acelerado - a gente se conecta. Você diz mexe aqui, abaixa ali, mas eu fico feliz em ser guiada. É que é novo, não são memórias. As memórias já não me servem. Guardei, finalmente, os registros do carro embaçado, do meu sutiã lilás. Não preciso mais deles. Tenho você. Não te tenho, aliás. Não quero ter ninguém. Ninguém é meu. Não quero ser de ninguém. Aliás, quero por alguns minutos enquanto você sussurra no meu ouvido uma palavra que me descreve, e diz que sou sua. As vezes acho que é algum tipo de magia, um feitiço mesmo que faz a gente ficar assim. 169 BPMs. E você, tão eu. Sou menor e maior, mas fico pequena no seu ombro. Nos seus cabelos pretos minha mão fica. Toco sua bochecha, seu queixo, seus olhos, tão brilhantes. Não sei como alguém pode me olhar assim. Nessas horas também nossos corpos se misturam. Parece que você me conhece há décadas, mas são só semanas. Você pergunta o que é que eu estou pensando. Não digo. Se na tua cama eu me perco nos teus olhos eu me acho, mas eu não posso te dizer isso. Intensidade emocionada, e Original Brasil no fundo. Você diz que combina. Ressignifico. Gosto de ver o seu sorriso, sua boca pequena um sorrisão que nem sei como cabe. Você dança pra mim como quem sente, vive, provoca. E você de costas pra mim, um mundo novo na minha frente. Vou desbravar. Você tem grit. Eu também. Um de cada vez, dois no máximo, e minha boca. Você, louca. Eu disse que iria chegar lá. Pedi paciência. Você me deu. Você organiza o caos com uma leveza que me dá vontade de falar e eu falo besteiras. É que eu sou da água, sou peixe. Vivi sempre na beira da água, e deságuo na tua cama. Um dia vamos pra algum lugar, sabe, onde eu não tenha que cuidar das minhas marés. Preciso deixar as ondas virem, e se eu te afogar peço perdão. Peço que não desista por enquanto, se puder. Mas se te doer, que me deixe ir. Sou água, e não pedra. Não vim aqui pra te machucar. Vim pra te conhecer. Pra te molhar. Porque eu também sei ser onda. Beijar teus lábios feitos pra falar francês. Pra descobrir que orelhas não servem só para te ouvir. Pra te segurar pelo rosto, com cuidado, te tocando devagar como quem tem a vida toda pra isso. Suas tatuagens um mundo pra descobrir. Seu cabelo um mar, seu (nosso) desejo uma ordem. Vim pra você, por mim. Que esse verão seja nosso. E que no final você ainda queira me ouvir mesmo que nossos corpos não sejam mais assim, inconfundíveis. 

domingo, 21 de abril de 2024

pão-de-beijo

Com um pacote de pão-de-beijo e uma garrafa de vinho fui atrás do caos. Achei. Por alguns active minutes o coração bateu a 169. Sua boca também é pequena. Mas é pequena diferente, é de fazer bico. Mas tem também sorriso daqueles que dobram a bochecha. Seus olhos são profundos, afundo, afogam. Atrás de óculos. Mas os cabelos longos, escuros, que se enrolam entre meus dedos. Você me olhou como se aquela cozinha fosse um palco pra gente mostrar pro mundo que bateu. Como se em silêncio a gente estivesse gritando com o universo em agradecimento e ódio. É que não pode ser, você diz. Não dá. Diz não posso, você tem ele. Ainda assim me quis. Eu nem sei bem se querer encaixa no que eu senti. Eu desejei. Eu busquei. Eu fui. E a pequena boca continha o mundo. Meu pescoço, playground. Mãos entrelaçadas e a cabeça voando desligada. Os óculos que enfim embaçam. O riso sem jeito e os dois minutos, cinco minutos, o tempo todo e tempo nenhum. O forno quente do nosso lado e a vontade de estar em trajes mais tropicais. É que a gente se encontrou no frio, numa noite longa e cheia de acalento. A gente se encontrou você sorria, e o olhinho pequeno. Grande o suficiente pra me enxergar. Nosso blend não é tão bom assim, mas quem precisa de música quando eu só quero ouvir sua respiração. O blend vai melhorar, até por que já são 80%. O algoritmo é que não pegou o melhor de cada uma, talvez sabendo dos riscos de tamanho match. Sua respiração como ouvi ontem me disse que você também estava entre vigorous e peak. Talvez por isso você tenha medo. Não tenha, esquece o risco que move algoritmo. A gente é gente. Tem que viver. Sabe, é que eu fiz uma lista dizendo que eu não ia me permitir sentir menos do que o que senti há umas semanas. Não tem passo atrás. Não tem desvio nem volta. Você vai viver muitos active minutes. Sei que viveu. Ouvi seu olhar. Senti suas mãos. Ouvi seu ofegar. E o forno esquentando um pão-de-beijo. 

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Minha alma cheira a talco

Foi o palco. Hoje ela não estava lá. Não estava aqui. Vivi. Ela veio pra me lembrar do que vem junto com o palco, mas foi o palco que me trouxe ela. Sem palco, sem riso, sem choro, sem ela, sem elas. Sem ele até. Não digo também que estava morta. Só havia esquecido de quão plenamente viva eu consigo estar. E me contentei com muitos dias sem vida, alguns dias bons e pouquíssimos dias fora da curva. Ela é fora da curva, mas ele também é. Foi o palco. O palco que deu a coragem pra dizer o que eu precisava. Que lembrou a todos os envolvidos o quanto são fora da curva. Ensinou o quanto eles também não podem se contentar com a sobrevida. O quanto essas regras inventadas não nos servem de nada. O quanto ele também sabe tocar os meus botões. Sei lá, eu as vezes acho que gosto de sofrer também. Sentir tanta vida que de repente, é quase morte. Vale a pena. Não consigo suportar a falta de gosto, de tempero. Engraçado encontrar o palco logo aqui, que todos dizem ser sem tempero. Dizem porquê não conhecem as histórias das vidas daqui. Um teatro lotado, quente, claramente improvisado. Cheio de barulho, de música, de cena, de emoção. E de repente a luz na minha cara. O problema é a língua, eu sei. Falo o que acho que faz sentido. Foi o palco. Improvisando um inglês sabendo quem eu sou e de onde venho. Sentindo uma força estranha. Que é minha. Não é dela, nem dele, nem de ninguém. É minha e só minha. Subi no palco. 

sábado, 6 de abril de 2024

Ossington

Caminho distraída lembrando da gente. Lembrando de mim e dos meus sorrisos. Procuro os biscoitos, quentes e frescos. Procuro as fachadas, lembro das opiniões, das perguntas, tantas. Te vejo, mas não é você. Me pego fotografando as coisas pequenas da vida. Você responde na mesma língua. Sinto como quem passa no corredor olhando dentro da casa do vizinho pra ver como ele vive. E a gente não fecha a porta. Deixa escancarada. A cabeça tão nas nuvens que não vejo os buracos no caminho. Quase caio. Mas meus pés andam tão firmes que recupero o equilíbrio. Que firmeza é essa que você me deu? Nem sei se de fato foi você. Se fui eu, se foi a rua. Se foi o palco. Nem sei bem o que você pensa disso tudo. Todo esse mistério. Racional, inexplicável. Digo que me basta ter achado esse cisne, e não preciso que ele chegue perto. Por enquanto. Não sei quanto tempo vou aguentar só com os sorrisos, tropeços, fotos e memórias. Queria mesmo era terminar aquela taça de vinho e no frio e na chuva te puxar pra junto de mim. Bagunçar meu batom, embaçar teu óculos. Tocar sua onda, surfar nela até chegar na tua nuca. Pegar uma corrente pro sul. Dominar tua noite. Quente e fresca. Os biscoitos. Nós. 

terça-feira, 2 de abril de 2024

giraffes on my mind

Você veio como uma onda. De longe te achei pequena. Foi se aprochegando, senti a maresia tocar minhas bochechas, tão gostoso. De repente vi teu tamanho. Tua força derrubou tudo no teu caminho. Tua potência me afogou. Só conseguia te respirar. Fiquei sem ar. Uma, duas, três vezes. Encharcada, afogada em você, eu que sou peixe. Como veio, foi. Recuando. Sem deixar traço para além da areia revirada. E agora o que eu faço com o teu lençol, se você não me deixou mais nenhuma pista? E agora o que faço com as tuas camisas, esquecidas? Não são lembranças. Entendo que sendo onda, você não se importa tanto com o que vem molhar. É só teu movimento. Pra que então deixar uma estrela do mar? Deixa eu me afogar em você e vai. Vai chegar em outras praias, vai afogar outras, vai viver tua potência. Eu permaneço. Quem sabe te espero, mesmo que não seja sobre isso. Por enquanto me afogo nos teus lençóis, já que não posso me afogar em você. 

quinta-feira, 28 de março de 2024

Ceci, c'est une cigarette

 O tempo passou de uma forma que o cigarro e café passaram também. O que eu achava ser seu, hoje é meu. É meu na beira do lago, debaixo da neve caindo. É meu com ela, mas também é meu sozinho. É meu e eu já nem lembro quem é você. Também, são tantos vocês. Tantos com seus cigarros e cafés. No calor de 40 graus, no marasmo do Equador, num café de Paris. E eu aqui, década depois. Parece que vivi dormindo por todos esses anos. Acordei. Não sei se foi o cigarro. Se foi o palco. Se foi ela. Se fui eu. Sei que despertei e o espelho finalmente desembaçou. Reconheço. Não digo que sou a mesma. Afinal antes de dormir o cigarro não estava na minha mão. Agora está. Me tornei para quem eu escrevia. Claro, com um pouco mais de prudência. E é essa prudência que me lembra de ter cuidado para não virar você. Com 50, afogado no passado numa sala de aula, em busca de qualquer feixe de luz que pudesse te queimar. Não, não vai ser assim. Não posso deixar que seja. Penso então que talvez mais que um cigarro e um café preciso permanecer aberto. Aberta pra elas, pra mim, pro mundo. Aberta pra vida. Enquanto me abro, levo comigo um café e um cigarro. 

quarta-feira, 27 de março de 2024

Cajun fries at Popeyes

 A vida tem dessas que matam e fazem viver. Dessas que acordamos e só queremos estar junto, mas dormimos sós. Desses mistérios de coisas fora do lugar que encaixam de maneira perfeita. A gente se encontra num passado que não existiu. E no futuro, quem sabe. Hoje você não me encontra onde estou. Não entende minha língua. Mas a vida tem dessas que me fazem te querer. Dessas em que eu te assisto como quem vê o que há de mais interessante nesse universo. Dessas que acabam com a secura do inverno. Dessas que me deixam fora de mim. Dessas. Mas também dessas que me partem o coração quando você chora. Te entendo. Aprendo. A vida tem dessas que me mostram você, tão nova, tão eu e tão você. Tanto mundo na tua frente. Mesmo se você me quisesse, eu nunca te prenderia. A vida tem dessas que me fazem feliz em te venerar. E te olho de lado, cada poro, cada fio, cada sorriso. As vezes eu me pergunto o que é que estou fazendo. O que quero com isso. Nada. Te querer de longe também me faz viver. A vida é dessas que dá vida de uns jeitos assim, estranhos. 

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Condição.

Não é grave, não é grave pra você que não vive. Não é grave pra você que não sabe. Não é grave pra você que não se culpa. Grave. É grave não saber o que fazer. É grave não saber se o que você faz gera muito mais do que uma pressãozinha alta, uma merda de diabete que não te deixa comer aquela torta. É grave não saber se o que você faz, e o que é que você faz, te faz cair, te fazer esquecer, te faz se perder. Não é grave por que não são muitas, por que não é nem mais de uma por dia. É grave. É grave por que não sei quando e por que pode se tornar grave. É grave por que não quero me machucar. É grave por que não posso controlar. Foda-se se o problema é querer controlar demais. Foda-se. Análise pra deixar esse controle de lado. Por que? Quem disse que não posso querer controlar. Não é grave. Não é grave por que não é uma deformação física, tocavel. É grave por que não é palpável. É grave por que não pode ser consertado. É grave por que não tem jeito, não tem solução, não tem cura. É grave, porra. E você que acha que não é grave nem sabe o que é de verdade. É que nem homem que diz que parir não dói. Como diabos o cara sabe? É grave, é grave por que bate mais forte o coração quando acha que vai dar merda. Não é grave por que não causa morte súbita. É grave por que se pode bater a cabeça e morrer, subitamente. É grave por que devora a gente a cada risco que tomamos. É grave por que será que essa dose a mais vai me derrubar. Não é grave por que o remédio pode controlar. É grave por que o remédio pode não controlar. É grave por que, caramba, será que eu tomei hoje mesmo. Não é grave por que só dura uns minutos apagada. É grave por que nesse minuto posso ser tocada, abusada. Não é grave por que não é muita memória que se perde. É grave pra caralho perder minutos de memória. É grave não lembrar direito do dia seguinte e só lembrar o que insistiram tanto que se acha que a memória é sua. Não é grave por que você não se machucou seriamente. É grave por que manchou a melhor memória da minha vida. É grave por que eu tenho que esquecer o que eu nem lembro. Não é grave por que você não é sozinha. É grave por que quem me vê virando os olhos de prazer é quem me vê virando os olhos de crise. É grave por que estou na rua, é grave por que estou no taxi, é grave por que estou sentada assistindo televisão. É grave por que eu sinto que é grave. E é só isso que importa. É grave pra caralho.

Paris

Por que sentir ciúmes. Puxar pelo cabelo, jogar no chão, xingar. Louca, desvairada. Você não me disse que viria. Eu te conto até quando vou pra esquina. Não precisava te contar. Não devo satisfações a você. Ela. De propósito. A culpa é sua que fez ela não me contar. Você é o problema. Odeio. Jogar longe, no meio dos carros. Sou mais forte. Para com isso. Até da crise a culpa é dela. Tudo é. Por que você não confia mais em mim? Lembra de quando éramos só nós duas. Nunca fomos mesmo três. Você é louca, para com isso. Não me olha assim como você olha pros outros. O que foi que eu fiz. Olha o que você está fazendo com ela, deixando ela triste. Não vai embora, volta. Foi. E ela atrás. Puxo os cabelos que não escorrem entre os dedos. Feios. Horrível. E ela tão linda. Por que não me disse que estava aqui. Foge de mim, foge de nós duas, sai bêbada, desconfigurada. O que fiz. Tira do meu dedo essa memória, apaguem as fotos, sai da frente. De repente gente, muita gente. Toda gente que conhecemos no mundo. Olha o que você fez. Olha o que vocês fizeram. Olha ela, coitada. Desespero, corro, ela grita. A culpa é minha. Mas por que você não me contou que viria. Não confia mais em mim. Perdi. E um, duas, todos, onde está ela. Procuro, procuro. Já nem ligo mais pra raiva que tinha da outra. Basta não perdê-la. Perdi. Está perdida. Fez bobagens, perdeu pessoas. Mas era só me contar que viria com ela. Vejo. Vai, conversa, ela vai entender. Por favor me escuta. Vem pra longe dos outros. Confia em mim. Confia. Senta ao meu lado, na mureta, de vestido preto e com os olhos borrados pelo que causei. Eu preciso te dizer uma coisa. Desperto. O que vem depois?

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

placebo

Entrou no ar e foi. Aos poucos ia se afastando, e já não teve mais volta. Do alto viu o chão e quis fugir dele, quis voar. Voou e deixou tudo que era real. Foi em direção ao por do sol, em direção ao mar, às ilhas do outro lado do mundo. Não pode pensar duas vezes, só pulando de uma vez que se pode ir tão longe. Voando sentiu. Sentiu em cada pedaço de si o que a tanto ansiava sentir. Sentiu medo. E por sentir medo teve coragem de continuar. A cada segundo que passava um a menos seria necessário para transformar o medo em prazer. Prazer por saborear um gosto diferente, ainda que por um desejo velho, por estar longe, por ser Novo. Voando foi, sem saber se poderia voltar. Voando, feliz. Quando pisou na terra, o chão já era outro. Era um chão quente na pele, que dava vontade de sentir logo mais calor. Os rostos, os sons, a vista, tudo estranho, tudo novo, tudo bom. Em frente seguiu e bateu na porta. Sentiu tudo que há pra sentir na pele, gostou. E por gostar pediu proteção mais uma vez, sete anos depois, proteção contra o que queria.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

antes que eu esqueça

Nas paredes verdes tudo está abandonado. Vazio, todos saíram, não há quem preencha, não há risos. Havia vida nesse verde, havia correria e gritaria quando o sino tocava. Agora, nada. Aquele verde, a cor mais antiga, não habita nem mais as memórias de um sonho, a cada segundo que passa um segundo de verde se apaga. As outras cores, porém, permanecem. O rosa, esse reflete mudança, histórias de novidade, de dor e de liberdade. Ele não se apaga com o tempo, mas morre com lágrimas, e revive com sorrisos. Amarelas são as paredes fortes. São eternas pelo que suportaram, pelo que sentiram, pelo que criaram. Amarelas são presentes mesmo de longe, são recentes no tempo, e, mesmo quando não forem, serão. No corpo, no caminho, nas memórias, nas pessoas, no passar do dia e no viver da noite. E logo o amarelo que era tão feio... O azul. Uma mistura de situações estranhas e espalhadas. Lá no alto, nos corredores estranhos, por baixo do telhado e dentro de tunéis. Azul, lugar de cenários e palcos, de invenções e aventuras.
Além das cores, as escadas. Escadas diferentes, que somem, que escondem. Escadas que muito tem a dizer, que guardam histórias. A escada grande, nela houve realidade e superstição, brigas e descobertas.
Banheiros. Os banheiros que aqui mereceram tamanha atenção. Pegadas deixadas, inesperadas. Descobertas. Lágrimas e mais lágrimas. Conversas, verdades, mágoas. E é hora de voltar para as quatro paredes. Nelas, de todas as cores, escorrem mais risos e mais tristezas. Escorrem novidades, amores, segredos. Tantos segredos, e que nelas morrerão. Essas paredes de dentro, essas trazem paciência, raiva, pavor, ansiedade. Muita ansiedade. Elas escondem papéis, juízos, desejos. Muitos desejos. Escondem realização, alegria, futuro. Muito futuro. Nelas vive o que hoje existe.
Vim mais uma vez com memórias, mas é que essa noite te encontrei. Na escada falávamos de tudo, do que viramos, de onde estamos. Nos encontramos sem querer, e termos nos encontrado entre aquelas tantas paredes, cores e escadas foi o importante. Já não me vestia mais como todos, você já não carregava mais tantos papéis. Vivemos e fomos algo novo em um lugar velho. Você ainda foi doce e se interessou por aquele momento. E eu, eu era outro, mas era eu com você ainda assim. Não fui quem eu era, fui o que sou. É claro, serei sempre um pouco do que eu era. Espero que você também ainda seja um pouco do que era, mas que já não seja mais só isso. Ontem fomos o que somos, estávamos onde outrora já estivemos.
Abro os olhos e tento não esquecer.

álcool e ausência

Explosões de felicidade. Serão elas possíveis? Seriam as explosões apenas aquelas de alegria, ou seriam instantes do que se diz felicidade? Felicidade, brevemente creio, é a soma de todas as alegrias menos todas as tristezas. Tristeza, porém, não é apenas o antagonismo da alegria. Não. Ela pode ser ausência e brigar com a felicidade. Tristeza pode ser dor, pode ser alguém, pode ser morte, amor. Ausência, a mais feia, não pode ser nada. Tristeza por que não há explosões de alegria. Felicidade, essa precisa ser o todo e a feia ausência não pode fazer dela parte. As lágrimas breves, as dores de um fim, essas secam com as pequenas alegrias. A ausência, essa não. Ela é presente por não estar lá. É ausência por ser falta, falta de felicidade. Querem que sejamos felizes, mas muitos somos ausentes. Nas longas madrugadas dos dias úteis as três espécies se diferenciam. Poucas explosões de alegria acontecem em uma terça feira, não há bares cheios, pessoas na rua, risadas. Há, no máximo, explosões físicas de alegrias para quem encontra ou tem alguem. A tristeza, como nas noites dificeis logo após as rupturas, se manifesta e chora, porém toma um comprimido, ganha um abraço, dorme. A ausência, essa permanece, feia. Ela se sobressai. A ausência habita os comôdos pouco iluminados, as televisões inuteis, os vícios, a fome. A ausência não chora, não é consolada, ela é fria e fica. Deita-se com você, mas fica acordada. O medo, por exemplo, parece-me virtude. Se ele vem, é por que sente-se algo. A saudade, essa é dom, é boa, não pode fazer mal, não enquanto não virar falta. Deixa-se então a saudade entrar e, com ela, as memórias e os sonhos. Manifesto certo frio, crio uma pequena ausência. Não me deixo, porém, nela entrar. Já lá estive e digo: não. Tive as tais explosões e elas buscarei, de qualquer forma. A questão não é ser só, nem mesmo sentir-se só, é sugar qualquer motivo de riso. É forçar-se a rir de si mesmo, forçar-se a falar sozinho, a cantar e até mesmo chorar, e gritar, e espernear. Assim expulsa-se a ausência. Sem ausência expomo-nos ao mundo, às tristezas e à alegria, e é disso que precisamos. Não posso mais me permitir a ausência. Estou presente e hei de sempre estar. Chorarei, mas também vou rir. Preciso rir, e por isso me deixo chorar. Como já diversas vezes disse, se essa que chora sou eu é por que a que se ausentava era eu, mas já não é. Se essa que grita sou eu, é por que já fui calada. Falo.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

guardanapos


Jeito de ver as coisas: aleatório. Leio aqui, escrevo lá, finjo que entendi e saio dizendo o que acho. Talvez eu nem ache o que digo que acho, as vezes mudo de ideia. Pelo sim e o não, tento não repetir. Tenho, porém, repetido. Gosto quando gostam de mim. Gosto, e gosto muito. Acho estranho quando me acham interessante, não sei exatamente por que eu seria interessante. Dizem-me que sou chata, acredito. Que sou interessante, sempre comunicado a terceiros ou demonstrado interesse, não acredito. Perto de tantas pessoas tão sabidas de si e do mundo, de filosofos da madrugada e conhecedores de Nietzsche. Perto dos senhores da verdade não me sinto desinteressante. Não. Verdade não tem senhor e são os que sabem disso que eu admiro. Não me sinto à altura dos que fazem filmes e tiram fotos, as de verdade, não as "comprei uma câmera chique e sou fotógrafo crítico". Dos que sabem de música, das partituras e dos instrumentos, não, não chego perto. Os poetas, esses então. Os de coração, não os de status. Poemas me deixam apavorada, sempre tenho medo de falar bobagem. Sinto-me por vezes idiota por não ler Dostoievsky, mas cá entre nós, é uma questão de paciência. Não tenho paciência. Já não finjo mais que tenho interesse em saber de tudo e das cores do mundo, e por isso fico intrigada quando alguns querem conversar comigo. Amo mesmo é quem eu sei que me ama com o pouco que eu sei e me diz que eu sou interessante como sou. Nem nele acredito. Algumas horas não enxergo bem o que eu tenho que o deixa interessado. Sou criança. Mas isso não é um problema. Adiante. Quero então saber, por que se interessa? De nada sei, sobre pouco tenho paciêcia de saber. Só quero viver meus poucos filósofos, meu mundo de fantasias britânicas, meu armário horroroso e meu sofá. Quero viver minha música que grita, que com ela por vezes surpreendo, minha música que dança e entoa bobagens, me dando alegria, minha música profunda básica, que tange a superfície de um oceano de cantorias poéticas e brasileiras. Não é que eu esteja, então, infeliz. Mas só queria entender o que pode haver de tão interessante para quererem conversar, sair para os tais cafés e pensar comigo. O que tenho para oferecer? Ofereço-me e permaneço confusa.


sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Transitando em uma Nova Antiguidade

Não era aqui que eu deveria estar escrevendo. Tenho que entregar Soberania, mas me enrolo no tempo e deixo para os últimos segundos, é claro. Preciso, porém, relatar o resultado de uma hora de leitura do meu passado e argumentar sobre onde cheguei.
Sobre o Primeiro Você a quem sempre me referi. Digo que acabou, perdeu a graça, já não sou mais tão nova e Você, é velho. Não me pergunte o que foi ou o que deixou de ser, o que quis e deixei de querer. Toda opinião sobre o passado parte do que entendemos do presente, então a resposta que Você busca nunca será a correta. Não sei te responder. Vamos em frente.
Ao Fantasma. Sei que nem sequer há chances de ver o que digo, mas digo o que quero. Espero que fique sozinho. Que continue feio, que continue só, que continue quem é e que nunca machuque mais ninguém. Não consigo apagar, impossível. Mas me esforço para separar, calar, ignorar e jamais, jamais, jamais chorar.
À minha Teia. Retorno. Retornamos, recosturamos, juntamos, completamos e somos felizes. A teia se mostrou concreto que não pode ser desfeito. Uns mais, outros menos, mas os de sempre, esses sim, há uns anos voltaram e voltaram plenos. Tive-os aqui. Abri a porta e os vi. Dormi junto. Abraçei. Ri, chorei, fui feliz e sei que posso sempre ser. Mudamos, claro que mudamos. Mas conseguimos nos adaptar,  soubemos conversar, superamos e curamos as mágoas. A alegria que me dá. Somos Grupo, somos juntos, nos entendemos, amamos. Parece que os vi ontem, mesmo que seja uma ilusão. Nos poucos dias que os juntei, estive quase plena. Continuo querendo-os todos os dias, e todos os dias tento aprender a conciliar as vidas. Difícil, muito. Mas é o que faço, por que sei que é o que me fará bem.Deixamos de ser Teia, viramos Blocos de Concreto.
Às montanhas nas quais o poente quase arromba a retina de quem vê, te transformei em realidade. És linda, Maravilhosa. Prende meu olhar quando vejo, sempre. Mas já sei que quem por essas ruas anda não é quem eu tanto achava que seria. À Lagoa peço desculpas, mas as pessoas que envolta dela correm não são tão maravilhosas. Lindos, exuberantes, livres, sim, permanecem. Mas são frios, são chatos, são de mentira. À tribo, sinto muito, deixei de admirar, fico feliz em não pertencer, não quero fingir participar.
À Você, Querida, acabou. Se o jogo é em um campo só ele não me agrada. Não vale a pena o esforço para ganhar apenas migalhas. Não sou assim. Sou apegada, sou forte, sou presa e presente. Não aceito o desdém, não aceito a superioridade, não aceito a cara feia, emurrada, os escandalos, as vítimas. Não quero esse resto. Sei que Você não gosta de passado. Então é nele que Você está, pode então não gostar. Desça do altar. Adeus.
Às novas janelas agora com belas cortinas, obrigada. Pelo chão, pela parede com a cor que não gosto, pelos móveis, pela luz, obrigada. Aqui vivo quem sou, sem vergonhas, sem limites, só eu, eu e agora O Você. Sob esse teto faço memórias e finalmente posso carregar e ver tudo o que juntei. Não preciso mais me esforçar para ver o que está longe. Veja, não digo mais o passado. O passou volta aos meus olhos e vira presente. Aqui, olho pros quadros e sorrio, me vejo no mundo, me vejo na outra casa, me vejo ao lado dos que amo, e sonho com eles. Cada metro quadro mostra quem eu sou e já tem sua história. Tantos que vieram, os que só passaram. Vivo o que quero viver e Casa, agora sim, Casa, me acolhe como sou, como quero ser.

Não quero mais salvar o mundo. Quero ainda ajudar, quero ensinar, quero escrever, quero sempre aprender. Quero chegar lá onde quer que o lá seja. Claro, quero sonhos. Quero meu baú, com novas caras, pintado com novas cores, preparado pro que vem. Quero um Novo que valorize o Velho e nunca, nunca mais, me deixe duvidar. Essa Transição, ela agora me traz apenas bons mistérios. Não traz mais medo nem calafrios. A Transição revela o que escolhi, o que sei que dará certo. A Transição traz uma televisão nova, o Novo trará novas cores na parede, novos móveis e novas roupas. O Velho, porém, permanecerá estampado nos copos, nas garrafas, nas fotografias, nos quadros, nos bilhetes. O Velho será Novo cada vez que eu abrir a porta e reconhece-lo, e chorar de alegria. O Velho será o Bom. O que acolhe, o  que conhece, o que entende.O Novo é só o que o dia seguinte tiver pra me revelar. O Novo é desconhecido, mas não é nada demais. Diferente não é necessariamente Melhor. Um segundo já pode me satisfazer tanto quanto o segundo seguinte. E isso não significa que me conformei. Apenas vejo que a lanchonete nova não é necessariamente melhor do que a velha, só por que é nova.

Ao Eterno, é por que já foi Novo, e foi bom. E hoje é Velho, mas todos os dias é também Novo. O Eterno, esse eu achei, nem procurava, mas achei. Eterno atravessa parte do meu Velho, conviveu com meu Novo e fez parte dele, mas foi também paralelo e, por isso, sobreviveu. Meu Eterno está em constante fazer, está em constante construção e desconstrução. O Eterno é meu, e me orgulho de te-lo feito assim. Eterno entende Velho, Novo, está fazendo parte da Transição, entende a vive a Casa, conhece o Fantasma, conhece a Querida e entende minha revolta, e participa do Bloco de Concreto. Eterno entende minhas lágrimas de saudade e reconhece as de ansiedade. Eterno sabe quem sou. Com ele posso ter máscaras, por que ele conhece meu rosto por trás. Vim pra Maravilhosa atrás do Novo, sem saber que parte dele seria Eterno.

Escrever foi muito fácil, mais difícil que o Estado, a Modernidade e a Soberania. Mas, na verdade, nada disso veio simples, direto, explicito. Veio devagar e doeu. Doeu, e ainda dói por que não consegue ser tão real. Mas vivo tentando tornar. Quero que seja real. Dói agora, por que se é Transição, dói. Vou tentando, vou seguindo, vou descobrindo e falando.
Volto aqui pra dizer tudo isso para mim mesma e encerro com minhas frases de sempre. Por que lá, lá dentro, ainda sou a mesma de um Velho muito Velho. Se essa sou eu, é por que fui outra. Se não fosse outra, não teria sido eu.





     

sábado, 18 de maio de 2013

Perdendo tempo.

Sem você,

não é (nosso).

quero-me,

não me quero aqui.

Sem você,

é (meu).

quero-te,

não te quero aqui.




Esqueci.
É meia noite,
Não escrevi.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Visita.

Disse que viria,
esperei.









Veio,
e foi.


Passou e tudo o que havia antes,
  
 estragou.

sábado, 1 de setembro de 2012

mess we're in.



 Do outro lado da rua. Olho pra você, você para o olhar. Espero. Vem. Não sei seu nome, nem quero perguntar. Em silêncio, caminhamos. Já não te olho mais, não preciso. Com um passo apertado, falta fôlego, sobra confiança. Entendo pra onde vamos, mas não sei onde. Sigo. Os carros passam na velocidade que andamos, o barulho da rua é o que nos comunica, não há porque falar. Não estamos em um daqueles silêncios de um tempo parado por estar ao lado de um alguém, é barulho insuportável fora, que precisa entrar. As luzes preveem o que vem, as informações deixam tonta. Engolimos a cidade para então cuspi-la como quisermos, com a velocidade que ela nos ensinou. E vejo um lugar feio, nojento. Não importa, sabemos que será sujo. E voltamos ao olhar, não tem mais volta. Quero usar as palavras que quero, mas prefiro ficar calada do que te assustar. Toque, cabelos, longos. Louros, compridos, seus. Olhos surpreendem de perto, não imaginava. Mãos leves, doces, minhas. Cabelos, cabelos, rosto e boca. Perto, muito perto e quente, ofegante. Suave, mas forte. Paredes e chão, peito e costas, mãos e bocas. Tão frágil por que me faz forte. Não esperava o controle, controlo. Você se deixa e eu te seguro. O suspiro que sai da sua boca também é doce, seu gosto é de arco-íris, cheiro de lilás, pele de suor. Brincamos, e rimos, e choramos. A cidade pela boca, a janela embaçada, o barulho lá fora agora calou. Suas mãos, tão minhas, minhas, tão suas. Parte de mim e todo, seu todo que eu preencho. Uma só. Dentro e fora, por dentro e por fora, rasgamos. Rolamos, caímos, levantamos, nos jogamos. Sentimos, e sentimos o suor. Toco, sua pele, seu rosto, seu doce, seu cabelo, sua cor. Não cansamos de brincar. Pequena, cabe na minha pele, cabe na mão, na minha boca só quer ser grande. O cigarro acendeu, o sorriso dela. O cansaço que dá sede. Vem, fica nos meus braços. Prometo que te pego se você cair. Não te deixo, não me deixa. Mas a cidade foi acordada, e o sol sobre os prédios. O trânsito de vidas que não espera. Estivemos ali. E saímos. Obrigada, não mude, até mais. Adeus?

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Pequena em um Pequeno Sonho.

Mais uma vez que você veio sem eu te chamar. Eu estava atrasada, correndo para ir de novo embora. Já não era mais hora de ficar. Sentei, porém, e por ali conversei. Com tênis antigos eu te esperava sem saber. E você veio. Apareceu na porta, com alguém, mas logo deixou esse alguém para ficar comigo. Nem sei por que você veio pra mim e não ficou com ela. Ela era mais bonita, mais magra, mais diferente, tatuada e interessante. Eu continuava a mesma, sem expressão, sem graça, normal. Mas ainda assim você me quis por alguns instantes. Depois acho que até se perdeu na minha conversa e esqueceu que eu não era nada demais. Saímos dali, estava muito escuro, cheio, barulhento. Queríamos paz e luz pra nos vermos e nos entendermos. Procuramos lugares, procuramos chão, procuramos. Um lago surgiu de repente e nós que há horas já estávamos cansadas de falar buscamos um pedaço de grama pra sentar. As palavras não morreram, não morriam nunca. Agora eu te via de perto e te buscava. O tempo acelerara e eu não sabia mais como parar. Não sei o que aconteceu. E não sei no que deu. Esqueci talvez, preferi colocar no fundo da memória e embaçar as imagens. Não queria saber de nada que me surpreendesse, se é que algo me surpreende. Não escolhi o que sonhei, não se escolhe sonho. Mas sonhei, e foi bom te ver. Estou agora longe, e essa noite estive com você. Espero te encontrar de novo onde eu possa escolher as palavras, e espero que eu não acorde. Espero que em breve eu te veja de novo, e que não seja só sonho.

terça-feira, 3 de abril de 2012

terça-feira, 27 de março de 2012

Plural.

Um, dois, três, quatro. Não sei o que fazer com tão poucos, que tirei de muitos mais. Indo ou vindo, são quatro que ficam. Dizem que um é o que tem que ser, o segundo tem justificativa, mas o terceiro já é demais. Um quarto, só pode ser doença. Que há de errado com você? Nada, tenho certeza. São diferentes, entendam. Querem ser fantasma, querem ser faísca, querem ser perturbações perigosas. Mas há quem queira ser pra sempre, quem queira ser tudo. Fui com todos e muitos mais, fico com poucos, dentro de uma caixa. Quando preciso de suor escolho um, para brincar puxo outro, quando tento de novo entender, devagar olho e com medo logo me afasto. Cada um com uma função, um com o pleno. Inventaram essa tal de mono alguma coisa e eu não quis acreditar que era possível. Nem quis cumprir. Hoje, com muita dor e controle, acredito, e cumpro. Na vida real. Nos pensamentos todos são, todos se misturam e eu não me importo. Dentro da imaginação cada noite é de um, e cada um é uma noite. Também sou muitos, com muitas cores e máscaras, por que para cada um sou o que querem que eu seja. Visto-me para cada ocasião, escolho o tom das palavras e o ponto de partida. O de chegada, porém, sempre requer muita atenção. Afinal todos têm seus únicos, eu não sou o único. Não sei bem o que para eles sou, se têm outros ou sou só eu. Penso e finjo que sou o centro das atenções. Tudo girando ao meu redor, isso é o que imagino. Não sinto culpa com o segundo, nem com o terceiro, muito menos com o quarto. Sinto-me inocente por deixar nas palavras o que poderia escapar pela boca. O primeiro deve saber o que faço, ele também deve ter seus muitos. Espero que tenha. Penso que a sabedoria e o fiel é manter tudo isso em uma meia dúzia de páginas. Errado é o que deixa escapar. Não que eu não queira um dia perder o controle, mas me controlo para não querer. Ah, vai, não me digam que nunca quiseram, não mintam! Já até me contaram histórias, mas hoje também sabem se controlar. Penso, porém, que um agora é que acorda pra esse mundo de confusões e números. Cuidado, se se deixarem levar podem nunca mais voltar. Prestem todos atenção no que vos digo! Pelo que (in)felizmente fiz digo que nem comecem, deixem escrito. Fiz, por que não imaginei, nem escrevi. Estava, eu, lá. Em um papelzinho com todas as palavras sujas, em músicas com segredos e em palavras com passado é como se faz essas coisas. Guardem. Deixem sempre, porém, espaço para pensar e sentir o pensamento. Essa tal de mono dentro de toda uma gama me deixa confuso. Confuso, porém, decidido. Decidi com o primeiro que seremos de outros, mas juntos. E que o pensamento, cada um com os seus. Espero que também pensem em mim e que saibam se comportar. Não percam nunca o primeiro, pois os outros nunca o serão. Eu vivo então comigo, com você, com eles e com elas.

terça-feira, 20 de março de 2012

Dois em Um.


É, é a vida. Pro inferno com essa história de vida. Vai, fica calado e olha o tempo passar, espera teu destino te molhar, aguarda que há de chegar. Fica aí, sentado, frustrado, alheio, recolhendo garrafas, papéis. Daqui a uns anos eu venho te contar que vivi enquanto você esteve confortável. Corre atrás dela, seja ela mais uma, seja ela teu amanhã. O tempo vai passar, não volta, e você vai se arrepender  de não ter tentado mais uma vez. Eu dizia, vem comigo que eu te levo pro mundo. Tenho certeza que você, diferente de mim, nem precisava ir tão longe. Bastava ir, e não voltar. Ainda é tão óbvia essa tua sede de partir, mais óbvia é tua falta de coragem. Falou, fala, diz que vai, e fica, e chora. Diz que a vida é uma merda, finge que gosta dela, e que não teve o que quis, mas vai fazendo o que vier. E você ainda não mudou. Já te disse pra viver, não sei, nem nunca saberei se me ouviu. Quem sabe um dia nos encontraremos em um lugar ensolarado, em um supermercado ou em um bar escuro. Quem sabe um dia tomaremos um café, no frio, ou em um calor insuportável, em uma dessas cadeiras na calçada. Se pelo mundo você sair, esteja certo que me orgulharei de você. Seja no meio de prateleiras avulsas ou na água de um mar distante saberei quem você é de verdade, aliás, quem teve coragem de ser. Não pense que eu falo de mim, não, minha vida hoje é confusa e já fiz outro levantar do sofá e vir comigo pra onde der. Eu falo do que eu seus olhos querem ver, do que seu corpo quer sentir.
Até imagino histórias de um futuro, histórias sem fim, um bocado de palavras que não conspiram para um final, nem feliz, nem trágico. Em um futuro já não mais tão distante, em uma primavera ou em um outono, estarei em uma calçada, escrevendo pensamentos em um caderninho novo, o atual e o passado já estarão no fundo da gaveta. Você depois de um longo dia solitário de letras ou de mar estará por lá, caminhando com sua vida na mão, cansado, vivido, quase antigo. Estarei te observando apenas, tentando descobrir quem é você no meio da lembrança de todos aqueles homens. Mas lembrarei de você. E você me olhará. A saudade que nem sei se existe dará vontade de te abraçar, mas a falta de intimidade que você fez questão de cultivar não me permitirá te abraçar como um velho amigo. Constrangido, você vai sorrir pra mim, vai fazer algum comentário sarcástico e dizer que eu não mudei. Eu espero já não mais me incomodar com seus comentários. Perguntarei o que faz lá. Você respira fundo e diz que vive, que está vivendo. E isso me surpreende. Até que enfim! Cada vez que penso nessa história o final varia, talvez uma longa conversa cheia de surpresas, talvez um frio adeus cheio de medo de ousar, talvez o que sempre imaginei querer e hoje tenho medo de ceder. Mas se esse encontro tivesse fim não haveria graça, então invento. Não sei quem seremos, invento. Sou sempre outro, amanhã invento. Você já não me parece tão mutável, é um tanto quanto fixo, previsível, mas me esforço pra te reinventar. Às vezes vem a frustração de não ter acontecido ou me sinto culpado por ter acontecido. Ainda assim, tento viver esquecendo o que já passou e o que eu ainda quero que passe. Torço que dê sempre errado, que dê certo. Então, te dou o direito de inventar o final da história. Eu termino por aqui, ontem a noite me pareceu tão longa, mas hoje tenho muito o que fazer e isso aqui já não me interessa. E logo vai chegar a hora de dizer que eu já sabia.