Não era aqui que eu deveria estar escrevendo. Tenho que entregar Soberania, mas me enrolo no tempo e deixo para os últimos segundos, é claro. Preciso, porém, relatar o resultado de uma hora de leitura do meu passado e argumentar sobre onde cheguei.
Sobre o Primeiro Você a quem sempre me referi. Digo que acabou, perdeu a graça, já não sou mais tão nova e Você, é velho. Não me pergunte o que foi ou o que deixou de ser, o que quis e deixei de querer. Toda opinião sobre o passado parte do que entendemos do presente, então a resposta que Você busca nunca será a correta. Não sei te responder. Vamos em frente.
Ao Fantasma. Sei que nem sequer há chances de ver o que digo, mas digo o que quero. Espero que fique sozinho. Que continue feio, que continue só, que continue quem é e que nunca machuque mais ninguém. Não consigo apagar, impossível. Mas me esforço para separar, calar, ignorar e jamais, jamais, jamais chorar.
À minha Teia. Retorno. Retornamos, recosturamos, juntamos, completamos e somos felizes. A teia se mostrou concreto que não pode ser desfeito. Uns mais, outros menos, mas os de sempre, esses sim, há uns anos voltaram e voltaram plenos. Tive-os aqui. Abri a porta e os vi. Dormi junto. Abraçei. Ri, chorei, fui feliz e sei que posso sempre ser. Mudamos, claro que mudamos. Mas conseguimos nos adaptar, soubemos conversar, superamos e curamos as mágoas. A alegria que me dá. Somos Grupo, somos juntos, nos entendemos, amamos. Parece que os vi ontem, mesmo que seja uma ilusão. Nos poucos dias que os juntei, estive quase plena. Continuo querendo-os todos os dias, e todos os dias tento aprender a conciliar as vidas. Difícil, muito. Mas é o que faço, por que sei que é o que me fará bem.Deixamos de ser Teia, viramos Blocos de Concreto.
Às montanhas nas quais o poente quase arromba a retina de quem vê, te transformei em realidade. És linda, Maravilhosa. Prende meu olhar quando vejo, sempre. Mas já sei que quem por essas ruas anda não é quem eu tanto achava que seria. À Lagoa peço desculpas, mas as pessoas que envolta dela correm não são tão maravilhosas. Lindos, exuberantes, livres, sim, permanecem. Mas são frios, são chatos, são de mentira. À tribo, sinto muito, deixei de admirar, fico feliz em não pertencer, não quero fingir participar.
À Você, Querida, acabou. Se o jogo é em um campo só ele não me agrada. Não vale a pena o esforço para ganhar apenas migalhas. Não sou assim. Sou apegada, sou forte, sou presa e presente. Não aceito o desdém, não aceito a superioridade, não aceito a cara feia, emurrada, os escandalos, as vítimas. Não quero esse resto. Sei que Você não gosta de passado. Então é nele que Você está, pode então não gostar. Desça do altar. Adeus.
Às novas janelas agora com belas cortinas, obrigada. Pelo chão, pela parede com a cor que não gosto, pelos móveis, pela luz, obrigada. Aqui vivo quem sou, sem vergonhas, sem limites, só eu, eu e agora O Você. Sob esse teto faço memórias e finalmente posso carregar e ver tudo o que juntei. Não preciso mais me esforçar para ver o que está longe. Veja, não digo mais o passado. O passou volta aos meus olhos e vira presente. Aqui, olho pros quadros e sorrio, me vejo no mundo, me vejo na outra casa, me vejo ao lado dos que amo, e sonho com eles. Cada metro quadro mostra quem eu sou e já tem sua história. Tantos que vieram, os que só passaram. Vivo o que quero viver e Casa, agora sim, Casa, me acolhe como sou, como quero ser.
Não quero mais salvar o mundo. Quero ainda ajudar, quero ensinar, quero escrever, quero sempre aprender. Quero chegar lá onde quer que o lá seja. Claro, quero sonhos. Quero meu baú, com novas caras, pintado com novas cores, preparado pro que vem. Quero um Novo que valorize o Velho e nunca, nunca mais, me deixe duvidar. Essa Transição, ela agora me traz apenas bons mistérios. Não traz mais medo nem calafrios. A Transição revela o que escolhi, o que sei que dará certo. A Transição traz uma televisão nova, o Novo trará novas cores na parede, novos móveis e novas roupas. O Velho, porém, permanecerá estampado nos copos, nas garrafas, nas fotografias, nos quadros, nos bilhetes. O Velho será Novo cada vez que eu abrir a porta e reconhece-lo, e chorar de alegria. O Velho será o Bom. O que acolhe, o que conhece, o que entende.O Novo é só o que o dia seguinte tiver pra me revelar. O Novo é desconhecido, mas não é nada demais. Diferente não é necessariamente Melhor. Um segundo já pode me satisfazer tanto quanto o segundo seguinte. E isso não significa que me conformei. Apenas vejo que a lanchonete nova não é necessariamente melhor do que a velha, só por que é nova.
Ao Eterno, é por que já foi Novo, e foi bom. E hoje é Velho, mas todos os dias é também Novo. O Eterno, esse eu achei, nem procurava, mas achei. Eterno atravessa parte do meu Velho, conviveu com meu Novo e fez parte dele, mas foi também paralelo e, por isso, sobreviveu. Meu Eterno está em constante fazer, está em constante construção e desconstrução. O Eterno é meu, e me orgulho de te-lo feito assim. Eterno entende Velho, Novo, está fazendo parte da Transição, entende a vive a Casa, conhece o Fantasma, conhece a Querida e entende minha revolta, e participa do Bloco de Concreto. Eterno entende minhas lágrimas de saudade e reconhece as de ansiedade. Eterno sabe quem sou. Com ele posso ter máscaras, por que ele conhece meu rosto por trás. Vim pra Maravilhosa atrás do Novo, sem saber que parte dele seria Eterno.
Escrever foi muito fácil, mais difícil que o Estado, a Modernidade e a Soberania. Mas, na verdade, nada disso veio simples, direto, explicito. Veio devagar e doeu. Doeu, e ainda dói por que não consegue ser tão real. Mas vivo tentando tornar. Quero que seja real. Dói agora, por que se é Transição, dói. Vou tentando, vou seguindo, vou descobrindo e falando.
Volto aqui pra dizer tudo isso para mim mesma e encerro com minhas frases de sempre. Por que lá, lá dentro, ainda sou a mesma de um Velho muito Velho. Se essa sou eu, é por que fui outra. Se não fosse outra, não teria sido eu.